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Necessário, apoio psicológico ainda é pouco comum nos clubes de futebol 14/11/2017

No futebol profissional, a rotina de treino é desgastante, física e psicologicamente e, diariamente, os jogadores e comissão técnica são muito pressionados para obter bom desempenho e conquistar títulos. Para lidar com as pressões, na maioria dos casos, os atletas buscam ajuda nos mesmos lugares em que as cobranças têm origem, em especial a comissão técnica e a família. A conclusão é de pesquisa do Instituto de Psicologia (IP) da USP. No estudo, o professor de educação física Rafael Moreno Castellani entrevistou 25 jogadores, 12 integrantes de comissão técnica e seis dirigentes de três clubes das Séries A, B e C do Campeonato Brasileiro sobre o processo de formação do grupo. O trabalho destaca também a importância do apoio psicológico profissional, em especial junto aos atletas que vêm das categorias de base, embora constate que seja pouco difundido nos clubes.

A pesquisa demonstra que o futebol profissional é um fenômeno econômico e um comércio extremamente rentável, mercadoria que se movimenta pela circulação de jogadores e comissão técnica. “Institucionalmente, porém, o futebol se apresenta como uma organização conservadora, excludente, ‘fechada’, de privação e controle”, afirma Castellani. Um exemplo disso é a prática da concentração antes das partidas. “O que poderia ser uma oportunidade importante de consolidação da convivência em grupo para dirigentes e membros da comissão técnica é, na realidade, um espaço de confinamento e reclusão, dentro de uma ideia de que os atletas devem ser monitorados e controlados a fim de modular e regulamentar seu comportamento.”

Segundo o pesquisador, os vínculos no grupo têm uma transitoriedade exagerada, o que acontece devido às constantes e precipitadas mudanças de comissão técnica, motivadas, em grande parte, pela ausência de resultados positivos e vitórias. “A justificativa costumeiramente adotada para tais mudanças passa pela necessidade de criar um ‘fato novo’, ‘mexer o grupo’ de atletas e motivá-lo a treinar melhor e render mais nos jogos”, afirma. “No entanto, a análise feita pelo estudo aponta uma direção distinta, visto que o que tais mudanças promovem é uma desorganização no funcionamento grupal, desestruturando aquilo que já é conhecido e está conservado.”

As mudanças, relata a pesquisa, fazem emergir não a motivação, mas as ansiedades básicas que se relacionam à aprendizagem. “Uma delas é o medo da perda – do contrato de trabalho, da titularidade, do papel desempenhado, entre outros”, conta o professor de educação física. “Outra é o medo do ataque – que se trata do receio de lidar com o novo treinador, que também estará tomado por tais ansiedades básicas, de perder suas defesas diante das novidades e de não possuir instrumental para enfrentar o desconhecido, tal como um método de treino e esquema tático, por exemplo, trazendo aos atletas insegurança, hesitação e vulnerabilidade para lidarem com as situações de aprendizagem, como os treinos e jogos.”

Castellani observa que “na adaptação dos atletas, a leitura habitualmente disseminada entre os profissionais do esporte é que estar adaptado é adotar postura rígida, passiva e estereotipada e possuir competência social e aceitação indiscriminada de normas e valores”. A visão que predominou entre os entrevistados, ressalta, “é a de que estar adaptado é se mostrar entrosado com os demais atletas e aos novos modelos de treinamento e jogo, e adequado às condições do clube (regras, nível de exigência e cobrança).”

Adaptação
“Na verdade, o atleta deveria dispor de leitura crítica da realidade, com capacidade de propor mudanças no grupo e a si próprio”, ressalta o pesquisador. “A pesquisa até constatou alguns acontecimentos que mostram esse tipo de adaptação, mas por serem posturas individualizadas, e não elaboradas na perspectiva do grupo, estão mais próximos de uma adaptação passiva à realidade.”

A maneira com que comissão técnica, em especial o treinador, e dirigentes lidam com os conflitos também influencia, positiva ou negativamente, a vida e atuação dos jogadores, segundo o pesquisador. “O vestiário é um ambiente fundamental no campo das relações afetivas e momento de maior intimidade grupal, seja pela exposição dos corpos, pelas brincadeiras ou discussões e resolução de conflitos, seja por ser o ambiente em que passam grande parte da sua rotina profissional”, afirma. “A associação do vestiário, principalmente em dias de jogos, como ambiente importante para a coesão de grupo e sua relação com o rendimento da equipe esteve destacada em algumas falas dos entrevistados.”

A pesquisa aponta que a pressão sobre os jogadores é diária e intensa, e vem de todos os lados e nas mais diversas intensidades, ou seja, de torcida, comissão técnica, dirigentes, imprensa, família e empresários. “Talvez seja essa uma das maiores demandas psíquicas entre os atletas, que deveria, em tese, ser assessorada por um psicólogo do esporte”, diz Castellani. “No entanto, o que se vê é que grande parte dos sujeitos que exercem algum tipo de pressão nos jogadores (família, comissão técnica e dirigentes) são os mesmos, sobretudo os dois primeiros grupos, que os ajudam a lidar com ela.”

De acordo com o pesquisador, todos os entrevistados consideram de fundamental importância o processo de formação de atletas. “No entanto, eles também reconhecem que não possuem todas as condições ideais para realizá-lo”, destaca. “Apenas um dos clubes analisados possuía psicólogo e assistente social para ajudar atletas e comissão técnica a compreenderem e vivenciarem um processo tão difícil.”

“Além do acompanhamento desses profissionais, é sugerida a aproximação entre as equipes da base e profissional, participando da rotina de treinos”, recomenda Castellani. “Também é preciso orientar os jovens para que permaneçam estudando, minimizar erros e ‘injustiças’ nas avaliações e contribuir para que continuem sua trajetória profissional em outro clube caso não tenham sucesso onde estão se formando. A pesquisa foi orientada pela professora Ianni Regia Scarcelli, do Departamento de Psicologia Social e do Trabalho do IP.



Fonte: Jornal USP