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Conheça o 'felipebol', o jogo que diminuiu barreiras da paralisia cerebral 09/05/2018

Cinco jogadores de cada lado, dez minutos de partida e uma bola de futsal meio vazia correndo pela quadra. Essa poderia ser apenas uma “pelada” improvisada entre amigos. No entanto, uma das regras desse esporte salta aos olhos: os jogadores devem se locomover “engatinhando”, com mãos e joelhos no chão. O “felipebol” surgiu em 2013 para ajudar Felipe dos Santos, um estudante com paralisia cerebral, a ser incluído nas aulas de educação física do colégio onde estudava, o CIEP Pedro Paulo Corrêa de Sá, no Rio. Na época, ele tinha 14 anos. Hoje, aos 19, o rapaz mora no interior de Minas Gerais com o pai, a avó e uma tia. E o cenário não poderia ser mais diferente: a escola que ele frequenta sequer tem uma quadra.

Com saudade dos tempos de “felipebol”, o rapaz pensa em apresentar o jogo para um professor de educação física da pequena Monte Carmelo, cidade para onde se mudou em dezembro. 

— Esse professor da cidade incentiva muito a inclusão. Ainda quero mostrar para ele o “felipebol”. Infelizmente, em muitos lugares do Brasil, a inclusão está só no papel — diz o jovem, que considera a descoberta do novo esporte um marco em sua vida. — Eu fazia todas as aulas na educação física, menos futebol. Não era confortável, para mim, jogar bola na cadeira de rodas. Então eu acabava ficando à parte. Quando criamos o “felipebol”, eu me senti mais fortalecido para participar das aulas. 

Para a ideia surgir, bastou Felipe contar ao seu então professor, Luiz Gustavo Firmino [CREF 003060-G/RJ], que, em casa, ele se locomovia quase todo o tempo em quatro apoios. Isso despertou no educador a vontade de experimentar uma combinação de futsal com handebol utilizando esse tipo de movimentação, para o menino se sentir confortável. 

Depois de muitas experimentações e debates com a turma — envolvendo desde o tipo de bola que seria usada até a duração da partida —, o grupo chegou ao conjunto de regras que pode ser visto no quadro ao lado. 

Firmino conta que, de início, foi duro vencer a resistência dos colegas que não tinham a deficiência de Felipe. Mas, apenas três meses após o início da prática do novo esporte, a turma até esqueceu do futsal. Ao entrarem em quadra, meninos e meninas rapidamente colocavam suas joelheiras e se organizavam em times para jogar “felipebol”. 

— Eu vi que o projeto tinha dado certo quando, um dia, fora da aula de educação física, vários meninos se reuniram para jogar “felipebol”, e, claro, chamaram o Felipe — lembra o professor. — Foi algo espontâneo, bonito.

A duração do jogo é de apenas dez minutos porque a locomoção em quatro apoios, embora seja natural para Felipe, é bem cansativa para quem não está acostumado. Além disso, a bola precisa estar um tanto vazia para que possa ser firmada em uma das mãos. O único jogador que fica de pé é o goleiro, e até isso tem a ver com inclusão: havia, na turma, um aluno com uma série de cirurgias na coluna, o que o impedia de “engatinhar” com destreza. 

O projeto desenvolvido há cinco anos nessa escola faz parte de um programa de educação física chamado Portas Abertas Para a Inclusão, iniciado em 2012 como fruto de uma parceria entre o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), o clube FC Barcelona e o Instituto Rodrigo Mendes. A ideia era deixar um legado social após a Copa do Mundo de 2014.

— Nossa aposta é de que a educação física tem que ser para todos — diz o psicólogo Luiz Henrique de Paula Conceição, pesquisador e coordenador de educação inclusiva do Instituto Rodrigo Mendes. — É durante a prática esportiva que os alunos baixam a guarda, então existe muito mais chance de eles interagirem e perderem preconceitos do que quando estão enfileirados em carteiras numa sala de aula.

Segundo o relatório mais recente do programa, com dados de 2016, a educação física inclusiva entrou na rotina de 32 mil crianças e adolescentes somente naquele ano. E o curso oferecido pelo Portas Abertas foi realizado por 347 professores, diretores e técnicos de secretarias municipais de 16 cidades.

— No curso, os participantes diagnosticam os pontos fortes e as barreiras na sua escola e desenvolvem um projeto local, de acordo com a demanda dos alunos — afirma o coordenador.


Fonte: O Globo