Educação Física e a terceira idade
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Educação Física e a terceira idade

A Educação Física e a terceira idade

Segundo o IBGE, a população brasileira está envelhecendo. O que isso impacta na atuação do Profissional de Educação Física?

Imagine um Profissional de Educação Física que entre na academia para exercer a sua profissão pela manhã bem cedo e só deixa o local após o último aluno encerrar suas atividades. Neste período, dezenas de usuários foram orientados e assistidos por este profissional. Consegue visualizar este cenário?

Ok, pode confessar. É comum imaginar que o público da academia em questão é formado por jovens e adultos que buscam, em grande parte, a prática de exercícios físicos para fins estéticos. Bom, pelo menos essa é a realidade atual neste tipo de estabelecimento.

Entretanto, o Censo 2010 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) confirmou a tendência de envelhecimento da população brasileira, fruto da redução da taxa de fecundidade e do aumento da expectativa de vida. O dado preocupante fica por conta de que quase metade da população idosa sofre de mais de uma doença crônica, como diabetes, hipertensão ou problemas cardiovasculares, por exemplo.

Felizmente, a reversão deste quadro há alguns anos já tem sido combatida pelo Ministério da Saúde, com ações que enfocam na Atenção Básica, como o próprio Programa Saúde da Família (PSF), dentre outras iniciativas. Logicamente, os estados e municípios de todas as regiões do país têm promovido ações de diversas finalidades, como a criação das Unidades Básicas de Saúde (que, em alguns municípios, recebem
outros nomes), de secretarias específicas para os idosos, como a Secretaria Especial de Envelhecimento Saudável e Qualidade de Vida, do município do Rio de Janeiro, além de diversos projetos focados na prevenção e promoção da saúde dos idosos.

Um deles é a Academia da Terceira Idade (ATI), projeto pioneiro no país desenvolvido pela Prefeitura de Maringá, no Paraná. Em 2005, a administração local criou o programa “Maringá Saudável”, desenvolvendo uma série de atividades, como a orientação para uma alimentação saudável, a implantação de hortas comunitárias e o incentivo à prática de atividade física.

Paralelamente, foi importada a ideia das academias ao ar livre existentes em cidades da China. Criou-se então as ATIs. Na ocasião, profissionais de Educação Física e da área médica fizeram um estudo para adaptação dos equipamentos. O projeto de Maringá foi reconhecido pelo Ministério da Saúde como inovador na saúde preventiva, recebendo recursos de incentivo durante três anos seguidos. A experiência se disseminou Brasil afora e hoje mais de 700 municípios contam com espaços do gênero em praças, espaços públicos, condomínios e, até mesmo, em Unidades de Saúde (conforme mostramos na última edição da REVISTA EF, com a apresentação do projeto “Academia Carioca da Saúde”).

Necessidade de capacitação

No entanto, apesar dos esforços não só do Poder Público, mas de outros setores da sociedade, fica a dúvida: o Profissional de Educação Física atualmente está preparado para atender a população idosa? No entendimento da Prof. Kátia Dias (CREF 001004-G/RJ), do Centro de Referência na Saúde do Idoso do Hospital Universitário Antonio Pedro (UFF), ainda falta muito para isso acontecer.

“Brigo muito com os profissionais de Educação Física quanto à questão da qualificação. Não basta ter um programa para trabalhar com o idoso. É preciso se capacitar para atender este público. Quando começamos a estudar os idosos, passamos a entendê-lo de maneira diferente e a prescrever de forma interdisciplinar”, justifica.

Especialista em Geriatria e Gerontologia pela UFF e Fiocruz e há 20 anos trabalhando com este público, a Prof. Kátia integra o programa de estudos da UFF que começou na década de 1990. “Na verdade começou com um grupo de profissionais, entre eles o médico, o Profissional de Educação Física e de Serviço Social da instituição. Dentre alguns temas, este grupo optou por estudar o envelhecimento”, explica ela, ressaltando que naquela época poucos enxergavam o envelhecimento da população a partir desta década como sendo um fator preponderante para o planejamento e ações de prevenção da saúde. “As pessoas achavam que éramos loucos. Hoje você vê uma preocupação maior com o idoso”.

Coordenadora do curso de pós-graduação em Saúde, Exercício e Envelhecimento do La Salle-RJ, Prof. Kátia Dias explica que a fisiologia do exercício propriamente dita trabalha as reações do organismo durante e após o exercício, analisando a freqüência cardíaca, pressão arterial e outras variáveis do corpo, conforme o movimento ou intensidade da atividade.

“Só que quando se joga tudo isso para um grupo que já tem problemas agudos, além de cardiovasculares, de hipertensão ou respiratórios, por exemplo, você pode ser um doutor nesta área que não vai obter um resultado satisfatório”, afirma. “Não se pode aplicar tudo o que aprendeu tendo como parâmetro o adulto ou o jovem para uma pessoa de 80 anos. O idoso tem polipatologia, ou seja, geralmente ele possui doenças crônicas, degenerativas, cardiovasculares ou cardiorespiratórias, além de problemas de labirintite, neurológicos, de ansiedade, depressão, dentre outros. Por isso, é preciso possuir um olhar diferenciado em relação a este público”.

Quem também concorda com a tese é a Prof. Margareth Aguiar (CREF 023929-G/RJ), que coordena o projeto “Habilidoso” do SESC São Gonçalo, no Rio de Janeiro. As aulas, com idosos da região, acontecem duas vezes por semana e consistem em atividades de dança e exercícios de memória.

“O Habilidoso é um trabalho diferenciado de atividades psicomotoras. Não é a dança pela dança. É a dança com uma visão psicomotora”, enfatiza a profissional, que está cursando uma especialização em Geriatria e Gerontologia na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj). “Mas não adianta se especializar se o profissional não gosta de lidar com o idoso. É um público diferente, que tem suas carências. O Profissional de Educação Física deve trabalhar em cima dessas carências, da fragilidade desses idosos. Além disso, deve-se olhar o idoso na sua integralidade”.

Essa sensibilidade da Prof. Margareth pode ser vista nitidamente na alegria, empenho e entusiasmo dos idosos durante as aulas. Dona Maria Soares Bela, de 69 anos, que o diga. “Cheguei aqui com sintomas de depressão há nove anos. Hoje estou bem melhor! Esse trabalho é para gente se sentir bem, fazer amizades”, conta a idosa enquanto mostra, orgulhosa, uma faixa escrita “A mais brincalhona”, concurso feito pelos próprios participantes do projeto periodicamente.

“Aqui criamos o concurso ‘mais mais’, onde são eleitas a ‘mais dorminhoca’, ‘mais dançarina’ e, até mesmo, a ‘mais namoradeira’”, se diverte dona Tereza Domingos, que, aos 82 anos, esbanja disposição e saúde. “Vir aqui é uma benção. Meus filhos adoram me ver dançar”.

Um outro olhar

Pelo que se pode notar, o idoso é realmente um público bastante diferenciado. Além de conhecimento técnico da profissão e de doenças crônicas, cardiovasculares, entre outras patologias, é preciso que o Profissional de Educação Física entenda que este é um público que costuma se sentir solitário, especialmente ao perder um companheiro(a), ou pelo fato de os filhos morarem longe, além de passar por outros tipos de problemas e possuir uma forma diferente de enfrentá-los. Tudo isso, sem dúvida, reflete no corpo e na mente, e o Profissional de Educação Física deve ter a sensibilidade para perceber tudo isso.

“Infelizmente, tenho muitos colegas que são maravilhosos como personal trainer, mas que, ao atender um idoso, utilizam um programa computadorizado, jogam os dados ali e prescrevem exercícios físicos. Mesmo que em grupo, é preciso ter uma visão individualizada. Logicamente, principalmente na Educação Física, deve-se trabalhar em grupo, pois a socialização é fundamental para o idoso”, sugere a Prof. Kátia Dias.

Outro aspecto importante é ter em mente que, hoje em dia, boa parte dos idosos são pessoas que não praticavam atividades físicas lá atrás. Muitos precisaram trabalhar desde cedo, por exemplo. Além disso, na fase adulta deles, existiam poucas pesquisas contendo indicadores dos benefícios da prática de atividades físicas e de se obter uma alimentação saudável. Em outras palavras, a população não possuía informações suficientes para perceber a importância da prevenção da saúde associada ao envelhecimento.

Segundo a Prof. Kátia, uma melhor interação entre o Profissional de Educação Física e o médico seria uma forma de fazer com que os idosos percebam a importância que a prática de atividades físicas pode ter na busca por uma melhor qualidade de vida na terceira idade.

“O curioso é que em congressos e seminários os médicos costumam ressaltar a importância dos exercícios físicos para diversas necessidades, mas não em seus consultórios. O médico possui um poder de persuasão incrível. A palavra dele tem poder”, analisa ela. “O que me deparo muitas vezes é que o médico costuma encaminhar pacientes para a prática de exercícios físicos para o fisioterapeuta. Está na hora de o Profissional de Educação Física se qualificar, capacitar e mostrar a sua cara!”.

Os dados estão aí. Os programas de promoção da saúde focados nos idosos dos estados e prefeituras também. Agora, é conosco, profissionais de Educação Física. É preciso nos preparar para atender essa enorme população!