Atividade física para imunidade: quanto mais melhor?
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Atividade física para imunidade: quanto mais melhor?

Entenda por que essa relação é tão complexa e o papel do Profissional de Educação Física nesse contexto

Em meio à pandemia de coronavírus, muito se fala em fortalecer o sistema imunológico, mas esse cuidado não deve encerrar junto com a quarentena. A boa notícia é que isso é possível e uma das formas é praticando a boa e velha atividade física. Mas a atividade pela atividade não basta. É preciso bem mais que isso: uma minuciosa avaliação e uma prescrição individualizada devem estar associadas a cuidados em toda a esfera da saúde humana: alimentação natural, saudável e balanceada, noites bem dormidas e saúde mental em dia - que impacta diretamente no bem-estar físico.

Pois é, não adianta cuidar de uma área da vida e negligenciar outras. Assim como é perigoso exagerar nas doses de exercício físico - aliás, esse hábito pode ser tão prejudicial à saúde quanto o sedentarismo. É o que aponta a pesquisa de doutorado do Thiago Guimarães [CREF 018202-G/RJ], cujo tema foi o excesso de exercício na modulação do sistema imunológico. Com o trabalho, Thiago conquistou o primeiro lugar no 31º Congresso da Sociedade Brasileira de Medicina do Exercício e do Esporte (SBMEE), em 2019.

Imerso na missão de medir a dose ideal de atividade física a ser prescrita, Thiago criou o Grupo de Pesquisa sobre Excesso de Exercícios (GPEEx) em 2015. Na época, desencorajado por muitos profissionais de diferentes áreas, chegou a ser acusado de desestimular a atividade física. Contrariando as críticas, o caminho foi o oposto.

“A proposta é integrar a teoria e a prática. Afinal, ‘não há nada mais prático do que uma boa teoria’. Somos um grupo de pesquisa, ensino, extensão e empreendedorismo sobre assuntos relacionados ao excesso de exercício e estresse”. Pesquisando a prática para formar teoria e levando teoria para aperfeiçoar a prática, Thiago tem uma certeza, quando se trata de Educação Física: “Estudar é o melhor investimento da vida!”. E é ele que vai te explicar tudo sobre a relação COVID-19, imunidade e atividade física na entrevista a seguir:

Revista Educação Física - Um estudo da Universidade Bath, na Inglaterra, relacionou a prática de atividade física a um aumento de “células T naive”. O que são essas células, como elas funcionam e qual sua relação com a atividade física?

Thiago Guimarães - No corpo humano temos diversas células constituintes do sistema imune. Os linfócitos T são uma dessas populações e, resumidamente, para que tenhamos uma resposta reparadora contra algum dano, nossas células T virgens (naives) precisam sofrer um processo de diferenciação para que se transformem em efetoras (células específicas para o problema). Isso quer dizer que a atividade física, dependendo do contexto (intensidade, duração, status energético, nível de estresse mental e qualidade do sono, por exemplo), pode tanto aumentar, como diminuir as células T virgens, e, sobretudo, direcionar o seu amadurecimento para um perfil de resposta celular (protetora contra vírus, por exemplo) ou extracelular (não protetora contra vírus, bactérias intracelulares e protozoários).

Ocorre que, para o pleno funcionamento do sistema imune, não podemos pensar “quanto mais linfócitos, melhor”. Na verdade, a relação é outra: quanto mais equilibradas nossas respostas celulares e extracelulares, melhor. O exercício físico é estímulo estressor, perturbador do equilíbrio. No geral, quando ausente ou em excesso, desvia a nossa resposta imune para um perfil extracelular.

Revista Educação Física - Além das já citadas, que outra consequência a atividade física traz, que estejam relacionadas ao equilíbrio imunológico?

Thiago Guimarães - O sistema imunológico, no senso comum, serve para a defesa do organismo. Porém, esse conceito limita a nossa compreensão sobre o assunto e a contextualização com as atividades físicas. O sistema imune é responsável pelo reconhecimento do que é próprio e não próprio do organismo. Sua função geral é reparar danos e preservar a homeostase (estado de equilíbrio).

Sendo assim, quando uma determinada atividade física é praticada com prazer, quando o corpo apresenta boa reserva energética, quando há equilíbrio fisiológico prévio à sua prática, muito provavelmente o estresse induzido pelo movimento será assimilado e os nossos sistemas nervoso, endócrino, cardiovascular, renal, digestório e respiratório serão estimulados ao ajuste da sintonia. O sistema imunológico parece funcionar como um verdadeiro maestro na regulação dessa sintonia e controle dos danos.

Revista Educação Física - Como a atividade física deve ser planejada para que o estresse gerado por ela seja bem assimilado, permitindo ao sistema imunológico promover essa sintonia no organismo?

Thiago Guimarães - Na minha pesquisa de doutorado, descobri que em casos de excesso de atividade física, a capacidade microbicida de células responsáveis pela fagocitose (proteção contra infecções) reduziu e a resposta imune foi desequilibrada. Houve imunossupressão celular, ou seja, as células estudadas ficaram mais vulneráveis (justamente o que menos desejamos no momento), paralelamente à redução da aptidão cardiorrespiratória.

Por outro lado, uma dose moderada de exercícios serviu como fator de proteção contra infecções. Embora o estudo tenha sido realizado com cobaias animais, podemos pensar em algumas lições. Destaco uma, o paradigma “sem dor, sem ganhos”, utilizado para defender a construção de músculos e performance. Há momentos sim, em que as pessoas podem e devem executar sessões severas de exercícios. Mas viver o tempo todo fora da zona de conforto não favorece o equilíbrio das respostas imunes e de todos os demais sistemas fisiológicos, sobretudo a longo prazo. Em algum momento será desenvolvido o esgotamento físico e mental, com prejuízos na performance e na saúde.

Revista Educação Física - Que aspectos o Profissional de Educação Física levará em conta para definir a medida e a intensidade de atividade para cada indivíduo, especialmente durante esse momento de isolamento?

Thiago Guimarães - É crucial o trabalho do Profissional de Educação Física. Ele irá avaliar, planejar, intervir de forma eficaz, reavaliar e se atualizar. Para a prescrição da atividade física ideal para um indivíduo, o primeiro passo é avaliar: conhecer suas restrições, nível prévio de condicionamento e objetivos. No caso de sedentários, por exemplo, há mais um motivo para não começar a seguir aleatoriamente qualquer programa das redes sociais, blogueiros fitness ou jornais. Deve-se fazer contato com um profissional de Educação Física e desconfiar se ele não realizar uma avaliação prévia. A progressão do nível do treinamento deve ser respeitada criteriosamente, sobretudo quando a pessoa apresentar limitações e fragilidades. Afinal, a mesma sessão leve para alguém assintomático pode ser uma sessão muito intensa para um iniciante.

Revista Educação Física - Entendemos até agora que a atividade física bem prescrita, orientada e desenvolvida é benéfica ao sistema imune. Para o grupo de risco para a COVID-19 (idosos e pessoas com doenças crônicas), esse efeito da atividade física é tão evidente quanto em pessoas jovens e saudáveis?

Thiago Guimarães - O pano de fundo para a maioria das enfermidades agudas são as doenças crônicas. Elas são desenvolvidas, sobretudo, por inatividade física, alimentação irregular, estresse mental crônico, sono ruim, consumo de drogas (tabaco, medicamentos, álcool) e poluição, por exemplo. O exercício físico regular controlado pode retardar o chamado inflammaging (processo natural de inflamação com o envelhecimento), reduzindo o risco de patologias associadas à inflamação crônica. Porém, repare a quantidade de fatores que também precisam ser controlados para o seu sucesso.

Revista Educação Física - Esses efeitos são progressivos? Em que ritmo as respostas no organismo são percebidas?

Thiago Guimarães - O exercício por si só não faz milagres e uma boa execução de movimento não é garantia de sucesso. Para potencializar seus benefícios e reduzir riscos, há algumas medidas que podem ser adotadas: ter uma alimentação balanceada, manter uma rotina de sono regular e cuidar da saúde mental - afinal, ansiedade, medo e preocupações gerais podem desencadear uma resposta de luta ou fuga “permanente”, desequilibrando completamente o sistema imune e tornando-o mais vulnerável.

Se todos esses fatores estiverem minimamente controlados, o exercício pode promover a imunidade agudamente, em poucas horas. Continuidade, adesão e equilíbrio são as chaves para o sucesso. Parece simples, mas, infelizmente, a maioria das pessoas no mundo anda na contramão. Para ilustrar, dois extremos na curva: de um lado, os dados epidemiológicos alarmantes de sedentarismo, obesidade e depressão; do outro lado, os exemplos corriqueiros de pessoas sobrecarregadas com a rotina de vida, cada vez mais consumindo pré-treinos (e outras drogas) para burlar o sinal natural de fadiga do corpo e treinar intensamente – vale lembrar que o Brasil é um dos maiores consumidores de suplementos alimentares no mundo. Equilibrar não é fácil.